A Fiocruz promoveu, no dia 16/3, sua aula inaugural de 2020. O destaque do evento foi a conferência Saúde pública na Era do Desenvolvimento Sustentável, do economista americano Jeffrey D. Sachs, da Universidade Columbia. A palestra foi transmitida ao vivo dos Estados Unidos e contou com a mediação da presidente da Fiocruz, Nísia Trindade Lima. Devido às medidas de prevenção e contenção da pandemia do novo coronavírus, o público pode acompanhar apenas pela internet.
Antes de passar a palavra a Sachs, Nísia prestou solidariedade à Universidade Columbia e fez um breve balanço da trajetória acadêmica do economista. Autor de vários livros, colunista de dezenas de jornais, consultor de governos e um dos maiores especialistas no planeta no tema do desenvolvimento sustentável, Sachs foi incluído duas vezes na lista dos '100 líderes mais influentes do mundo'. Ele é uma das principais referências nas questões relativas ao combate à pobreza e ao crescimento econômico, em especial nos países em desenvolvimento.
Sachs iniciou sua participação lamentando não poder estar presente pessoalmente à aula inaugural e agradeceu o convite para fazer a abertura do ano acadêmico da Fiocruz. “Diante da atual crise, dos desafios que temos à frente e das restrições às viagens, todos os dias importam. Conheço bem a Fiocruz e sei que a instituição é crucial, para o Brasil e o mundo, na resolução da atual crise gerada pelo novo coronavírus. E farei tudo para ajudar o Brasil a superar esse grave momento. A saúde pública, em todo o mundo, precisa cooperar e trabalhar em conjunto. Contem comigo”.
Para o professor americano, os líderes políticos mundiais não estão à altura do desafio e não conseguem dar as respostas satisfatórias à crise. “Os Estados Unidos têm atualmente o presidente mais perigoso, para o próprio país e também para o mundo. No momento não precisamos e nem queremos ouvir políticos, e sim os cientistas, os especialistas. Eles é que vão nos ajudar a sair dessa situação”, afirmou.
Sachs listou a mudança dos hábitos em Nova York a partir desta segunda-feira, quando praticamente todas as atividades pararam. “Achávamos que algo assim era inimaginável, mas aconteceu. Trump e seu governo não entenderam nada e portanto não fizeram nada para deter a progressão do problema, que se tornou imenso”. O conferencista lembrou que a Fiocruz tem um histórico de bons resultados, e que surgiu, nos idos de 1900, para enfrentar a febre amarela, a varíola, a peste bubônica e outras doenças tropicais. Para ele, a Fundação conseguirá responder ao novo coronavírus de maneira eficiente.
O economista afirmou que a atual pandemia é de difícil controle, porque é transmitida facilmente e porque o seu combate exige uma mudança radical na vida das pessoas. Mudança essa que os líderes políticos, com poucas exceções, não conseguem realizar a contento. “Poucos países, como Cingapura e Taiwan, realmente pararam. Quando começa a transmissão comunitária e o rápido alastramento da doença, como já ocorre no Brasil, fica quase impossível controlar. Nos EUA estamos, oficialmente, com cerca de 3 mil casos, mas esse número deve ser 10 vezes, ou mais, maior, já que a testagem aqui é baixa”.
Sachs espera que a Fiocruz consiga desenvolver um modelo epidemiológico para o Brasil, usando dados e informações geoespaciais, dentro de um esforço nacional para conter e debelar a crise. “Alguns modelos sugerem que até 65% da população mundial pode ser infectada. Quanto mais esperarmos para tomar as medidas necessárias, e radicais, mais a pandemia vai se alastrar. O tempo é extremamente importante”.
Segundo Sachs, a China parece ter sido bem sucedida em controlar o novo coronavírus. “O país é muito organizado, de cima para baixo, e implantou políticas rígidas. Em Wuhan, onde tudo começou, a população foi obrigada a informar às autoridades, duas vezes por dia, sua temperatura, para que todos fossem monitorados. Nos EUA e no Brasil um cenário assim é provavelmente muito difícil, já que há uma desorganização geral por parte dos governos. Além disso, fechar tudo leva a dificuldades”.
De acordo com o conferencista, esta é a primeira “epidemia online” da História e com certeza deixará lições e mudará hábitos. “Haverá forçadamente uma mudança na economia. As pessoas verão que é possível trabalhar de casa, as universidades ampliarão suas atividades de ensino a distância, serão realizadas menos reuniões presenciais, gastaremos menos combustíveis. Na saúde, a conectividade, com a telemedicina, os serviços sociais online trarão benefícios. É um aprendizado dramático, que terá efeitos importantes e duradouros na economia mundial”.
Sachs disse que os impactos negativos na economia também serão grandes. “Vamos perder produção e a atividade econômica vai declinar. Teremos um choque, mas desta vez, ao contrário de outras crises, será diferente. Minha previsão, que está mais para um chute, é que a economia mundial cairá cerca de 10% a 12%, com uma fase extrema que poderá se estender por até três meses. Acredito que será a pior queda desde a crise de 1929 e que as dificuldades serão prolongadas, o que é mais complicado ainda em um país como o Brasil, frágil financeiramente”.
O professor disse que o Brasil está duas semanas atrás dos EUA, no que diz respeito ao agravamento da pandemias, e que deve olhar para o vizinho do Norte como exemplo do que não deve ser feito. “Trump foi negligente e não tem capacidade, não está à altura de uma crise como essa. Perdeu muito tempo negando a doença, em que pesem os esforços do CDC [Centers for Disease Control and Prevention] e do NIH [National Institutes of Health]. Mas esses institutos tiveram seus orçamentos muito reduzidos, o que neste momento gera problemas. Temos um governo de idiotas”. Para Sachs, a cooperação internacional é fundamental, pois o Covid-19 não será facilmente erradicado, além de ser uma epidemia global que, segundo ele, “ficará conosco por muito tempo”.
Após a conferência, os ex-presidentes da Fiocruz Paulo Buss e Paulo Gadelha fizeram perguntas a Sachs relacionadas à Agenda 2030, e o multilateralismo, tão combatido pelo Governo Trump. Devido a outros compromissos, o conferencista precisou responder rapidamente. Segundo Sachs, a crise é global e mostra que os países são totalmente interdependentes. “As mudanças climáticas, a defesa da biodiversidade, a importância da ONU [Organização das Nações Unidas] e da OMS [Organização Mundial da Saúde], o Acordo de Paris e outros temas multilaterais precisam ser levados a sério. É claro que podemos ter orgulho de nossos países, mas é necessário reconhecer que dependemos uns dos outros e que a cooperação vai nos ajudar a enfrentar as crises, como a do novo coronavírus”.
A presidente da Fiocruz, Nísia Trindade Lima, reiterou o compromisso da instituição com a gravidade da situação a nível global com a pandemia do Covid-19. “É importante lembrar do grande esforço que estamos assumindo para mobilizar toda a nossa capacidade e todas as áreas do conhecimento para responder a esse desafio. A Fiocruz não poderia agir de forma diferente em seus 120 anos”, disse. “Cabe a todos nós, à comunidade científica e principalmente às autoridades públicas, pensar em medidas imediatas para a contenção dessa pandemia – e também de outras emergências que certamente virão”. Por fim, afirmou que a grande forma da sociedade se mostrar resistente e unida é corresponder a medidas de proteção coletiva.
A vice-presidente de Informação, Educação e Comunicação, Cristiani Vieira Machado, reforçou a mensagem. “Devemos pensar no bem público, nos mais vulneráveis e naqueles que terão mais dificuldade de se proteger ou de acessar serviços de saúde de qualidade”. Quanto às atividades de educação, Cristiani afirmou que haverá orientações específicas, como alternativas pedagógicas e canais de comunicação com os alunos da Fiocruz. “Precisamos enfrentar essa pandemia com responsabilidade e tranquilidade”, pontuou. Ela lembrou que o Plano de Contingência da Fiocruz, assim como outras informações ligadas ao coronavírus, estão disponíveis no Portal Fiocruz.
A coordenadora-geral de Educação, Cristina Guilam, falou sobre acolhimento: “Estamos diante de uma pandemia que nos impele ao isolamento. No entanto, queremos passar a ideia de pertencimento diante dos desafios”. Ela comentou a necessidade de repensar eventos com os estudantes, como o Fiocruz Acolhe, que foi cancelado. E, em seguida, anunciou a chamada para o Prêmio Oswaldo Cruz de Teses e a Medalha Virginia Schall de Mérito Educacional. "Vamos nos manter juntos, informados e conectados”, concluiu.
Quem representou o corpo discente na mesa de abertura do evento foi Richarlls Martins, presidente da Associação de Pós Graduandos (APG-Fiocruz). “Nós da APG estamos nos organizando para enfrentar esse contexto de crise da melhor forma possível, pensando meios de trocar conteúdos, disciplinas e atividades virtualmente”, contou. Ele falou também sobre as medidas que vêm sendo adotadas pelas autoridades sanitárias e a instituição. “Entendemos que essas medidas são necessárias, principalmente pensando na população pobre, porque precisamos de ações urgentes que garantam a saúde de todos. Representamos os discentes e temos o maior orgulho do papel da Fiocruz nesse contexto”, comentou.
O Sindicato dos Trabalhadores da Fiocruz (Asfoc) foi representado pela presidente Michele Alves. Ela lembrou da luta do sindicato em defesa da ciência, da tecnologia, da educação e do Sistema Único de Saúde (SUS). “Vocês devem estar junto com a gente se engajando nesse desafio, para que consigamos cada vez mais efeturar nossas pesquisas”, disse Michele.
A aula inaugural 2020 está disponível no canal da Fiocruz no YouTube: assista na íntegra.