Perspectivas para o desenvolvimento das ciências e tecnologia no Brasil nos próximos anos

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Publicação : 03 DE MAIO DE 2023

Autor(es) : Fabiano Gama Rego Santos

Perspectivas para o desenvolvimento das ciências e tecnologia no Brasil nos próximos anos Estamos vendo uma mudança de postura frente à ciência. O governo anterior tinha uma atitude anticientífica, agora nós temos uma postura diferente, de apoio à ciência e tecnologia, respeito às conclusões científicas. A ciência é como um esforço de longo prazo, normalmente você não tem resultados imediatos.

Por Jane Fernandes (Jornal A Tarde)

Presidente da Academia de Ciências da Bahia, Manoel Barral-Netto é pesquisador da Fiocruz-Bahia e professor aposentado da Faculdade de Medicina da Universidade Federal da Bahia. Ele conversou com o jornal A TARDE da Bahia sobre as perspectivas para o desenvolvimento das ciências e tecnologia nos próximos anos, no cenário nacional e local.

A TARDE: A mudança no governo federal trouxe novas perspectivas para o desenvolvimento de pesquisa científica no Brasil e na Bahia? Vimos que uma das primeiras medidas foram reajuste das bolsas de pesquisa, deve haver impacto na “fuga de cérebros”?

Barral: Sem dúvida, estamos vendo uma mudança de postura frente à ciência. O governo anterior tinha uma atitude anticientífica, abertamente. Agora nós temos uma postura diferente, de apoio à ciência e tecnologia, respeito às conclusões científicas, então essa mudança é clara. E também há algumas atitudes que já começam a mostrar efeitos, como o reajuste das bolsas, então podemos aguardar que isso vai resultar realmente em maior investimento para a ciência e tecnologia, e claramente as autoridades hoje estão mais próximas da comunidade científica. O impacto da questão das bolsas é difícil quantificar, porque mesmo com a correção os valores ainda são baixos, então não é um grande atrativo, mas a postura de apoio à ciência pode influenciar as pessoas a terem mais ânimo de continuar. (...). Outro ponto a considerar é a estabilidade. A ciência é como um esforço de longo prazo, normalmente você não tem resultados imediatos, e há uma tradição do Brasil de não ter assim uma estabilidade de investimento em ciência e tecnologia, não estou falando nem de estabilidade política. Há países que trocam o governo, mas mantêm uma estabilidade no investimento em ciência e tecnologia. (...) Aqui no Brasil, nos últimos anos, houve essa mudança completa de postura frente à ciência, o que dá muita instabilidade e insegurança.

A TARDE: Em quais frentes os governos, em todas as suas instâncias, precisam atuar para obter um resultado mais efetivo na retenção de talentos formados nas universidades públicas do país?

Barral: Esse é um ponto crítico! Historicamente, o Brasil não tinha um problema de fuga de cérebros. No passado, depois do golpe militar e na época da ditadura, houve fuga de cérebros, mas não era nem uma decisão dos cientistas, era pela impossibilidade de ficar aqui, pelo risco de perseguição, (...) mas com o passar do tempo isso voltou. Se você pega cientistas com um pouco mais de idade, você não vê muita gente no exterior, tem um número pequeno, não chegava a ser um problema. Pode acontecer por vários motivos, por decisões pessoais da vida, é normal que em todos os países haja indivíduos que migram. (...). O problema é quando esse número é elevado e crescente, porque você está formando pessoas, fazendo um investimento na capacitação de pessoal que é aproveitado por outros países. Então a gente está financiando o desenvolvimento científico de outros países. É preciso retornar ao padrão histórico, que a gente consiga motivar os nossos jovens a permanecerem no País, eu acho que isso depende de dois grandes fatores: a estabilidade e uma remuneração apropriada. Eu estou dizendo apropriado porque é lógico que, comparando com padrões internacionais, nossos cientistas estão ganhando muito pouco, e isso não vai mudar da noite para o dia. Se as pessoas virem uma perspectiva de estabilidade, de produzir boa ciência ganhando o suficiente para uma vida tranquila, eu acho que a gente volta a um padrão de qualidade.

A TARDE: Em que medida o Brasil tem conseguido aproveitar seu potencial de desenvolvimento científico? Esse desempenho ocorre de maneira homogênea nos diferentes setores e regiões?

Barral: O Brasil à medida que começou a investir mais em ciência, ele começou a ter resultados, produtos de ciência e tecnologia, contribuições da ciência e tecnologia para resolver problemas brasileiros, situações especiais, isso claramente tem um retorno para a sociedade, que não é normalmente em curto prazo, é de médio e longo prazos. Isso tem acontecido no Brasil em vários campos, a agricultura brasileira foi uma área que teve muito apoio e que também resultou em muito avanço, não é à toa que o Brasil é um grande produtor em vários aspectos, nós temos uma boa produção adaptada para a nossa situação bioclimática, para a produtividade do nosso solo, essa é uma área forte; na área de petróleo, o Brasil avançou bastante em tecnologia de exploração de petróleo e teve sucesso com essas abordagens; na área da saúde, o Brasil produz bastante conhecimento nessa área, novamente, adaptados às condições locais. Esse impacto estava começando justamente a render maiores resultados quando a gente sofreu de novo esse golpe dessa insegurança, de volta no padrão de insegurança da ciência e tecnologia no Brasil. A insegurança, a instabilidade, a falta de regularidade no apoio, tudo isso é muito prejudicial, porque você vem fazendo investimentos ao longo do tempo, são investimentos que se somam, que precisa de um pra contribuir no desenvolvimento do outro, e quando interrompe você tem um atraso de muitos anos, até retomar todas que são desfeitas. Muita gente vai para o exterior, mas mesmo quem fica aqui acaba indo trabalhar em outro campo, desiste da ciência e tecnologia. Então esse desinvestimento tem um dano muito maior do que parece. Deixar de financiar durante um governo, por três, quatro anos, você não ter apoio apropriado, isso tem impacto por muito tempo porque desmotiva muito as pessoas, desfaz muitas equipes.  Então a continuidade é um ponto importante, se o Brasil retomar um ciclo longo de investimento nós temos condições evidentes de contribuir em muitos aspectos da vida nacional. A Academia de Ciências da Bahia, no ano passado, lançou um documento sobre cinco grandes desafios que a Bahia enfrenta, onde a ciência e tecnologia poderia contribuir. Estamos em contato com o governo para discutir isso e ver como a Academia pode contribuir, e quando a gente fala Academia, a gente está falando das instituições de ciência e tecnologia representadas na Academia.

A TARDE: E quais são as questões abordadas nesse documento da academia de ciências da Bahia?

Barral: Os desafios colocados para Bahia são: assegurar um meio-ambiente saudável e produtivo, estimular o desenvolvimento socioeconômico e cultural dos baianos, utilizar de forma sustentável os recursos naturais da Bahia, proteger os baianos dos riscos à saúde, e água e alimentação saudável para todos os baianos. Esses cinco itens são embasados em outros documentos que nós produzimos. Nós temos trabalhado em várias áreas de ciência e tecnologia da Bahia, em documentos mais sólidos. Esse é um documento mais leve, chamando atenção para esse ponto. É claro que para que a gente possa discutir com o governo estadual como a ciência pode se inserir no enfrentamento. Solução desses problemas é ser pretensioso demais, para isso são necessárias condições para que essas soluções realmente tenham um impacto na sociedade. Uma delas é o letramento em ciência e matemática, através da educação continuada dos professores e profissionais das universidades, a ciência muda muito, evolui rapidamente; a reativação e modernização de museus de ciência e tecnologia, mas também interiorização dos museus, não o museu arquivo, mas o museu ativo, que estimula a ciência, que é muito importante na educação científica, que dinamiza a curiosidade dos jovens pela ciência; a intensificação de ações que favoreçam a interação entre os setores acadêmico e industrial; a execução de grandes infraestruturas da ciência e tecnologia, grandes equipamentos que não precisam ser oferecidos por cada instituição, podem ser grande plataformas, grandes estruturas que facilitam a execução de uma ciência mais moderna; a criação de parques tecnológicos em cidades de grande e médio porte, não ficar somente na capital; e a sustentabilidade a longo prazo, com a autonomia operacional e financeira da Fapesb (Fundação de Amparo à Pesquisa da Bahia). É necessário que a gente tenha essa meta de uma sustentabilidade ao processo, que a Fapesb tenha essa regularidade. Para atingir esses objetivos é necessário que as condições sejam atendidas, não é somente recursos para projetos.

A TARDE: Em sua avaliação, as ciências são abordadas adequadamente nas instituições de ensino da educação básica?

Barral: Essa é uma das áreas nas quais é extremamente necessária uma mudança, nós precisamos realmente de uma reformulação do ensino de matemática e ciências. É uma área que nós precisamos cuidar muito, um ensino mais moderno, de acordo com as novas tendências e com uma ênfase nessa parte de letramento matemático desde o início. Se a gente não tiver conhecimento da parte mais básica logo no ensino fundamental, essa exposição à linguagem matemática, racional, a capacidade de entender o mundo dessa forma, é muito difícil que depois essas crianças tenham realmente um aproveitamento adequado. Essa é uma questão em muitas partes do mundo, de pensar a educação científica desde cedo, não só no ensino médio. É lógico que tenha havido mudança, é necessário a gente ressaltar que é importante o investimento em infraestrutura educacional, mas é também muito importante o investimento no conteúdo e na forma, nos princípios da educação.

A TARDE: A corrida pela vacina contra a covid-19 gerou grande interesse da sociedade nos processos científicos, mas também foi um período marcado pela disseminação de informações falsas e negacionismo da ciência. O que considera importante para reverter esse cenário?

Barral: Essa é uma das áreas críticas de toda a sociedade, não só brasileira. É um fenômeno internacional, a gente tem na verdade um movimento não só de negacionismo, mas um movimento anticiência, que agora é potencializado pelos movimentos de desinformação, de fake news. É um problema complexo que envolve muitos aspectos do ponto de vista sociológico e político, e o enfrentamento desse problema também precisa de base científica. (...). A Academia solicitou um financiamento para (...) um ciclo de discussão, provavelmente cinco seminários, para aprofundar a questão e gerar um documento de análise da situação, como está isso no Brasil, as possíveis causas, mas que também seja algum tipo de orientação para enfrentar o problema, é um documento a ser discutido durante todo o processo mas também depois de liberado, uma discussão com vários órgãos envolvidos, várias instituições de ciências e tecnologia, movimentos sociais, com lideranças religiosas. Discutir qual é o papel de cada um. A parte que a comunidade científica precisa fazer é se comunicar claramente com a sociedade, fornecer meios mais claros para a sociedade acompanhar o trabalho científico, mas ver qual o papel das escolas e das universidades na formação de pessoal para esse pensamento crítico em relação à ciência, porque a gente sempre precisa da crítica, mas não do negacionismo. O negacionismo é uma rejeição ao processo.

 

Foto: Raphael Müller / Ag. A TARDE

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