Mulheres na saúde global: “ainda há muitas injustiças e muito a se fazer”, aponta pesquisadora

Home Mulheres na saúde global: “ainda há muitas injustiças e muito a se fazer”, aponta pesquisadora
Voltar

Publicação : 10 DE SETEMBRO DE 2021

Autor(es) : Isabela Schincariol Domingues

Mulheres na saúde global: “ainda há muitas injustiças e muito a se fazer”, aponta pesquisadora Devemos desencadear agendas de transformação do atual cenário, o que requer políticas públicas, iniciativas institucionais e compromissos coletivos. Avançamos, mas ainda há muitas injustiças e muito a se fazer, e isso é o que deve nos mover.

Na próxima quarta-feira, 15 de setembro, a partir das 10h, a vice-presidente de Educação, Informação e Comunicação da Fiocruz, Cristiani Vieira Machado, vai mediar o webinário “Mulheres na saúde global”, promovido pelo Centro de Relações Internacionais em Saúde da Fiocruz (Cris) no âmbito da série “Seminário Avançados Cris em Saúde Global e Diplomacia da Saúde 2021”. Para tanto, a vice-presidente conversou com o Campus Virtual Fiocruz e detalhou diferentes recortes e dimensões da temática, considerando a pandemia de Covid-19, e detalhando a atuação da Fundação e as necessidades de transformação do atual cenário. Confira:

Campus Virtual Fiocruz: Como você enxerga o papel das mulheres na saúde global e as ainda persistentes desigualdades estruturais de gênero? 

Cristiani Machado: Em primeiro lugar, é importante destacar que as desigualdades de gênero são um problema global, sendo observadas entre e dentro dos países. Em muitas sociedades, como, por exemplo, as latino-americanas, essas desigualdades estão entrelaçadas com outras – de classe, renda, raça, territoriais – em uma dinâmica complexa, que limita as possibilidades das meninas e mulheres exercerem plenamente seus direitos em vários âmbitos da vida cotidiana.

Tais desigualdades se expressam inclusive na ocupação de espaços de poder. Observa-se importante sub-representação das mulheres na política, no Parlamento, no Judiciário, em altos cargos na gestão pública e na gestão em empresas privadas, nas posições e premiações de maior prestígio na ciência, artes, esportes... 

Embora as mulheres tenham expandido sua participação no mercado de trabalho na última década, persistem injustiças, como disparidades salariais e assimetrias na divisão de responsabilidades entre os homens e mulheres no trabalho doméstico, cuidado com crianças e idosos, ocasionando sobrecarga importante para as mulheres e constrangimentos a sua trajetória profissional. Acrescente-se ainda o machismo estrutural, e as situações de assédio e de violência contra as mulheres. 

Por outro lado, quando há oportunidades adequadas, as mulheres são bem-sucedidas nos mais variados campos e áreas de atuação, havendo numerosos exemplos de lideranças brilhantes. Essas não devem ser tratadas como exceção, mas são, sim, importantes para evidenciar que as mulheres podem e devem ocupar os diferentes espaços, pois têm esse direito, além de um imenso potencial de contribuir para a sociedade em várias esferas. 

CVF: Como a pandemia de Covid-19 acentuou as inúmeras dimensões abarcadas na temática das mulheres na saúde global?

Cristiani: A pandemia exacerbou as desigualdades de gênero de diferentes formas. Em primeiro lugar, cabe destacar que as mulheres representam a maior parte da força de trabalho no setor saúde na maioria dos países. Então, elas tiveram na linha de frente do enfrentamento da pandemia de Covid-19, com sobrecarga importante de trabalho, e expostas ao risco de adoecimento e morte.

Em segundo lugar, na região da América Latina, de acordo com dados da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal), as mulheres foram mais afetadas pela redução de emprego, principalmente dos postos informais. Em terceiro lugar, sofreram com a sobrecarga de trabalho doméstico e cuidado com crianças e idosos, principalmente devido à suspensão das aulas e à necessidade de cuidar de familiares acometidos pela Covid-19. Por fim, estudos têm apontado, na situação de isolamento social, uma maior exposição de meninas e mulheres a situações de violência doméstica. 

CVF: Como a Fiocruz vem atuando para diminuir as desigualdades estruturais de gênero? Cite iniciativas de destaque.

Cristiani: A Fiocruz tem o compromisso com a redução das desigualdades e promoção da equidade social entre suas diretrizes institucionais, abrangendo a dimensão de gênero, conforme consta, inclusive, nos compromissos emanados do Congresso Interno, a principal instância deliberativa da Fundação. Desde 2009, existe um Comitê Pró-Equidade de Gênero e Raça, que desenvolve iniciativas importantes no campo. 

Em 2017, elegemos pela primeira vez, em 117 anos, uma mulher como presidente. E, em 2019, lançamos o Programa Mulheres e Meninas na Ciência na Fiocruz, cuja iniciativa conta com importante participação de pesquisadoras das nossas diversas unidades. Esse programa se organiza em torno de três eixos principais: (1) valorização das mulheres cientistas na Fiocruz (por exemplo, iniciativas de memória, como os vídeos sobre a trajetória das cientistas da Fiocruz; inclusão de critérios pró-equidade em editais de pesquisa, considerando licença-maternidade); (2) incentivo às meninas na ciência (trabalhos junto a escolas, visitas, oficinas, projetos voltados à atração de meninas para a atividade científica); e (3) apoio a debates, estudos e publicações relacionadas a estudos de gênero e ciência.

CVF: Qual a importância de debater tal temática, especialmente numa mesa que reúne representantes engajadas e emblemáticas na luta pela igualdade e defesa dos direitos das mulheres?

Cristiani: É fundamental ouvir e debater esse tema com mulheres envolvidas na luta pela igualdade e defesa dos direitos das mulheres, como as que integram o painel, pela sua ampla experiência, liderança, representatividade e capacidade de propor caminhos para a superação dos problemas e desigualdades estruturais ainda observados.   

Esse tema precisa ser não somente debatido globalmente, mas, sobretudo, deve desencadear agendas de transformação do atual cenário, o que requer políticas públicas, iniciativas institucionais e compromissos coletivos. Avançamos em algumas frentes, mas ainda há muitas injustiças e muito a fazer, e isso é o que deve nos mover.

+Leia mais: Seminário debaterá a temática das mulheres na saúde global

Mais Entrevistas