O Sextas de Poesia faz sua homenagem a Olga Savary, poeta que completaria 90 anos no dia 21 de maio, e, lamentavelmente, nos deixou em 15 de maio de 2020, vítima da Covid-19. O poema escolhido foi, "Pitúna-Ára", ou noite-di em Tupi guarani, no qual a poeta de tantas palavras parece se despedir: "Deixo o mel e ordenho o cacto: cresço a favor da manhã"
Pioneira, avançada, culta e belíssima, Olga também ficou conhecida por ter sido a primeira mulher brasileira a lançar um livro de poemas eróticos. No Brasil, foi a segunda pessoa a publicar haikais*, o primeiro foi um homem. Olga era poeta, e não “poetisa”, termo que ela não gostava.
#ParaTodosVerem Foto de dois pés descalços no chão com piso de taco (de madeira), na foto o poema de Olga Savary, Pitúna-Ára.
Exilada das manhãs,
de noite é que me visto.
Caminho só pela casa
e o viajar na casa escura
faz soar meus passos mudos
como em floresta dormida.
Me vêem, eu que não me vejo,
as coisas — de corpo inteiro.
Aonde me levam estes passos
que não soam e que não vão:
às armadilhas do vôo
como a paisagem no espelho
espatifado no chão?
O escuro é tanque de limo
para minha sombra escolhida
pela memória do dia.
Deixo o mel e ordenho o cacto:
cresço a favor da manhã.
Rio, 1972
In: SAVARY, Olga. Sumidouro. Pref. Nelly Novaes Coelho. Il. Aldemir Martins. São Paulo: Massao Ohno: J. Farkas, 1977.
NOTA: Pitúna-Ára (tupi) = noite-di
Olga Savary foi poeta, nunca quis ser chamada de poetisa. Foi voz pelos direitos das mulheres, todos eles. Hoje, nossa homenagem é para essa poeta - que morreu ano passado vítima da Covid-19 -, mas também a todas as vidas perdidas nesta semana em que se completa um ano da declaração oficial da pandemia mundial causada pelo coronavírus.
Em seu primeiro livro, Ferreira Gullar escreveu o prefácio, uma tradução perfeita:
"Olga Savary nos parece dizer que a multiplicidade dos fenômenos e das vozes mais encobre que revela a essência real da vida. Por isso mesmo, ela está sempre nos chamando para o silêncio, a quietude, para as coisas que dormem esquecidas ou abandonadas, para o que está aparentemente à margem do mundo. Ela busca, ali, aquela integridade, aquela unidade que daria sentido à existência. Mas onde encontrá-la realmente, “se nada termina tudo se renova?” É uma angústia que a dilacera “como uma garra que fecha e abre dentro da fechada carne”. É quase o desespero".
O poema escolhido para esta edição do Sextas de Poesia nos faz navegar num "Mar de esperança", insistindo na alegria como resistência!