Sobre o curso
Considerando que temos um território específico na região Amazônica. A região possui uma grande diversidade de povos, línguas, culturas e cosmologias, portanto traz uma riqueza de possibilidades de leituras, interpretação e análises sobre os territórios. Além disso, as fronteiras tanto físicas como culturais se fazem nos desenhos e modelagens sócio-políticas. Desse modo, entendemos que é muito pertinente que a saúde coletiva discuta o território, as políticas para esse lugar e as diferentes abordagens, que se constituíram historicamente. As diferenças geográficas não podem ser negadas porque marcam o lugar, mas também não podemos esquecer a construção da territorialidade como um processo social.
O território como lugar existencial compromete o observador no engajamento. O território existencial é um processo construtivo e requer um cultivo constante. O observador é um aprendiz que se envolve no território existencial. O campo, seja estranho (distante) ou familiar (próximo), precisa ser cultivado no que se refere à receptividade. A atitude do observador-aprendiz é de saber-com, pois acompanha e aprende com os eventos que ocorrem no território. O território existencial na gestão da saúde é um espaço da experiência do próprio observador, que é chamado a analisar e descrever um espaço familiar, compartilhado com outros sujeitos que também agem e atuam na gestão da saúde. O território existencial é o espaço de encontro de sujeitos que vivenciam experiências semelhantes e similares, mas que no momento da pesquisa se distanciam metodologicamente e teoricamente.
Os estudos na e sobre a Amazônia no campo da saúde tem uma forte caracterização na presença de endemias e na falta de infraestrutura de serviços. Quando olhamos para a área rural e ribeirinha a ênfase recai para incipiência ou da inexistência de serviços, de gestão e de profissionais, como um lugar de ausência das políticas públicas. Assim, o território da Amazônia passa por uma naturalização das ausências, como se fosse intrínseco ao lugar. A produção das ausências faz parte de um processo de colonização que considera que o universal só cabe no pensamento ocidental moderno. O reconhecimento ou a visibilidade da história, ecossistemas, tradições e culturas do território cria as condições de possibilidade para a inovação de práticas tecnoassistenciais e a valorização de conhecimentos que promovem um outra diálogo entre a sociedade e a cultura (Schweickardt et al., 2020).
Assim, construímos uma ideia de território líquido que contempla tanto a identidade cultural e social da população ribeirinha como as características físicas naturais da região que está associada à várzea, mas que também se aplica à diferentes lugares da região amazônica. O “líquido” tem nos remete ao fluído, movimento, a algo que conecta as pessoas e a vida. Assim, entendemos que território líquido não se restringe ao lugar físico, mas carrega um conjunto relações simbólicas e culturais que se traduzem nos modos de vida e na memória da população. Notamos que para a população ribeirinha, as águas fazem parte das histórias e experiências da vida cotidiana, seja no trabalho, lazer e nos vários caminhos que se fazem ao percorrer o território.
O conceito de líquido se refere a uma realidade concreta, que trata de uma prática social. Estamos tratando do líquido como uma realidade concreta e material, que une as pessoas, que conecta as realidades, que tem um tempo e mescla as histórias das pessoas com as histórias dos lugares. O ciclo das águas (enchente, cheia, vazante, seca) mexe com a vida da população, altera os fluxos e altera os caminhos.
Entendemos que a Amazônia se apresenta como cenário ideal para o pensamento e para a efetivação do princípio da equidade do SUS, como um espaço do exercício da inovação. O discurso de que tudo é diferente e marcado por “distâncias geográficas” que são barreiras a qualquer política, pode fazer da região um lugar exótico e de limitada possibilidade da presença do Estado. Por isso, o longe e o distante é muito mais um lugar onde políticas públicas não chegam do que espaço de isolamento geográfico. Para esse lugar é preciso, portanto, invenção e inovação.