Vice-presidente da Fiocruz comenta estratégias na área de educação em saúde para enfrentar a pandemia

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Publicação : 25 DE MAIO DE 2020

Autor(es) : Flávia Navarro da Silva Lobato

Vice-presidente da Fiocruz comenta estratégias na área de educação em saúde para enfrentar a pandemia As ações na área de educação mostram que a comunidade acadêmico-científica está muito mobilizada, refletem nossa diversidade e o quanto a Fiocruz, seus pesquisadores, professores e alunos estão interessados em desenvolver projetos para enfrentar essa crise sanitária e outros problemas de saúde relevantes no Brasil, fortalecendo o SUS.

Por Isabela Schincariol (Campus Virtual Fiocruz)

Formar profissionais para o Sistema Único de Saúde é missão da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) – e um dos pilares para enfrentar a pandemia do novo coronavírus. Como um dos marcos pelos 120 anos da instituição, celebrados neste 25 de maio, conversamos com a vice-presidente de Educação, Informação e Comunicação, Cristiani Vieira Machado. Em entrevista ao Campus Virtual Fiocruz, ela compartilha desafios, estratégias e ações para superar a crise sanitária.

Cristiani trata das ações voltadas à formação dos profissionais de saúde em todo o país, da integração entre as diversas unidades, de alternativas pensadas durante a pandemia e para depois da crise, além da importância do financiamento para as áreas sob sua gestão. "As ações na área de educação mostram que a comunidade acadêmico-científica está muito mobilizada, refletem nossa diversidade e o quanto a Fiocruz. seus pesquisadores, professores e alunos estão interessados em desenvolver projetos para enfrentar essa crise sanitária e outras doenças infecciosas importantes em saúde pública para o Brasil", afirma a vice-presidente. Leia a entrevista completa a seguir.

CVF: Como a área de educação está lidando com as urgentes mudanças impostas pela pandemia de Covid-19?

Cristiani Vieira Machado: As ações de educação frente à pandemia estão estruturadas em três grandes vertentes: formação profissional para o Sistema Único de Saúde (SUS), adaptação das atividades educacionais em face da suspensão das aulas presenciais e investimentos em novos cursos e recursos para a educação.

A primeira contempla o desenvolvimento de cursos, materiais didáticos, cartilhas, podcasts e uma série de protocolos, guias e informações para os profissionais de saúde, em especial os que estão na linha de frente de atendimento nos serviços de saúde.

A segunda vertente é de adaptação das atividades educacionais da Fiocruz, devido à suspensão das atividades presenciais. A Fundação está presente em 11 estados, e todos apresentaram transmissão comunitária do coronavírus e aumento progressivo de casos da doença. Enquanto esses números de casos e de óbitos continuarem a crescer, as atividades presenciais nas unidades não poderão ser retomadas. Destaco que, aliadas ao Plano de Contingência da Fiocruz, incorporamos Orientações complementares para pós-graduação, que se traduzem em 11 diretrizes.

A terceira dimensão diz respeito aos investimentos em disciplinas e cursos, principalmente e com utilização de material de base na modalidade à distância (EAD), sobre temas estratégicos e transversais, assim como em recursos educacionais. Com as ofertas, fortalecemos o SUS, o sistema de Ciência e Tecnologia (C&T) e a atuação de profissionais de saúde, pesquisadores e professores. Já temos trabalhado nessa lógica de disciplinas transversais sobre temas estratégicos para a formação de alunos de diferentes programas e cursos de pós-graduação da Fiocruz, como: divulgação científica, metodologia científica, ciência aberta, biossegurança. Outras disciplinas transversais já foram propostas e ainda serão desenvolvidas, como sobre integridade e ética em pesquisa, história da saúde públicae o SUS, entre outros temas.

Dessa forma, os materiais que elaboramos ganham abrangência, podendo ser apropriados pelos programas Stricto e Lato sensu. Por exemplo, a disciplina Introdução à Divulgação Científicaque faz parte do Programa de Pós-graduação em Divulgação da Ciência, Tecnologia e Saúde da Casa de Oswaldo Cruz, em 2019 foi cursada por mais de 100 alunos, de 14 programas stricto sensu da Fundação, em diferentes estados, com base em um material EAD, complementada por atividades interativas. Neste caso, é uma disciplina eletiva, desenvolvida num modelo híbrido, que permite interações dos alunos com o professor e o coordenador, ao incluir componentes como fóruns de debates ou oficinas presenciais e uma avaliação final. Essa mesma disciplina também está disponível sob a forma de curso online, autoinstrucional e aberto ao público externo, que teve 15.400 alunos.

CVF: Quais são as principais iniciativas na área de educação para formar, capacitar e informar profissionais de saúde neste contexto de crise?

Cristiani Vieira Machado: As unidades têm desenvolvido inúmeras iniciativas importantes nesse sentido, há também muitos alunos inseridos em ações de apoio ao enfrentamento da Covid-19, e desenvolvemos algumas propostasna Vice-Presidência.

A Escola Politécnica em Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV/Fiocruz) preparou cartilhas muito interessantes voltadas à capacitação de agentes comunitários de saúde, agentes de combate a endemias e cuidadores de idosos, profissionais que lidam com  grupos diretamente afetados pela Covid-19. Já a Fiocruz Brasília lançou o curso de atualização em Saúde Mental e Atenção Psicossocial na Covid-19, oferecido na modalidade à distância, que se integra à produção de uma série de materiais sobre este tema. Isso inclui a colaboração com pós-graduandos de outras unidades, como a Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (Ensp/Fiocruz). A Fiocruz Brasília também organizou, junto à Universidade Aberta do Sistema Único de Saúde (UNA-SUS), um hotsite para profissionais de saúde e afins.

Uma iniciativa importante para alcançar milhares de profissionais de saúde é o curso Covid-19: manejo da infecção causada pelo novo coronavírus, desenvolvido pelo Campus Virtual Fiocruz. A formação à distância é aberta, mas especialmente voltada a trabalhadores de saúde da linha de frente. Em pouco mais de um mês chegamos a 34 mil pessoas em todo o Brasil e mais de 20 países. O curso mobilizou especialmente o Instituto Nacional de Infectologia Evandro Chagas (INI) e a Ensp, mas contou com a colaboração de várias unidades da Fiocruz – Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica em Saúde (Icict), por meio da VideoSaúde Distribuidora da Fiocruz, Fiocruz Brasília e Instituto Nacional de Saúde da Mulher, da Criança e do Adolescente Fernandes Figueira (IFF).

O primeiro e o segundo módulos do curso – Introdução ao novo coronavírus e Manejo Clínico Atenção básica já foram lançados. Nesta semana do aniversário de 120 anos da Fiocruz, abriremos as inscrições para terceira parte da formação, que trata do manejo clínico na atenção especializada da Covid-19. O curso, que a princípio estava organizado em três módulos,  tem a previsão de ganhar ao menos mais duas disciplinas que serão eletivas para os já inscritos: uma, sobre saúde das populações indígenas; e outra, voltada à saúde nas prisões, temas de grande invisibilidade no contexto brasileiro, que são estratégicos no enfrentamento da doença. Além de ser elaborado por especialistas da Fiocruz, traz um conjunto de referências, protocolos e links para sites confiáveis sobre a Covid-19, que são fontes para os participantes se manterem sempre atualizados sobre o tema. Esse é um compromisso nosso: na medida em que novas informações forem descobertas, buscaremos atualizar os principais aspectos do curso. Ressalto que foi extremamente desafiador lidar com uma condição tão nova, sobre a qual ainda estamos aprendendo e existe uma série de incertezas, principalmente no que se refere ao manejo da doença. Tem sido uma experiência muito positiva.

CVF: Qual o papel dos residentes, da formação em serviços no cenário da pandemia? Por favor, comente as ações desenvolvidas para esses profissionais?

Cristiani Vieira Machado: Os residentes estão trabalhando intensamente no enfrentamento da crise, com uma contribuição absolutamente relevante e decisiva para os seus campos de prática, que muitas vezes são unidades assistenciais de Atenção Primária à Saúde, localizadas em territórios vulnerabilizados. É o caso de Manguinhos, no Rio de Janeiro, por meio do Projeto Teias, ou das unidades de saúde da rede no Mato Grosso do Sul, por exemplo. Atualmente, há 30 programas de residência nas unidades da Fiocruz, alguns começaram a funcionar neste ano. Temos também residências em hospitais, no Instituto Nacional de Infectologia Evandro Chagas (INI) e no Instituto Nacional da Saúde da Mulher, da Criança e do Adolescente Fernandes Figueira (IFF).

No que diz respeito a esse grupo, que envolve as residências médica, de enfermagem e multidisciplinar buscamos formular orientações complementares específicas para orientar o exercício de suas atividades nos campos de práticas.

Nossa principal preocupação é assegurar as condições mínimas de trabalho e segurança aos que estão atuando de forma tão dedicada. Esses pontos estão entre as nossas 11 orientações complementares ao Plano de Contingência da Fiocruz e visam salvaguardar as condições de trabalho dos residentes, o respeito à carga horária, o fornecimento e uso adequado de equipamentos de proteção individual (EPI) – que, vale ressaltar, deve ser garantido a todos os profissionais de saúde –, a compatibilidade entre atividades teóricas e práticas/assistenciais, de acordo com o momento da trajetória do residente, entre outras. Houve reuniões das equipes de coordenação com nossos residentes para verificar e assegurar as melhores condições de trabalho possíveis. Também atuamos no sentido de oferecer suporte psicológico e emocional a eles.

CVF: Conte-nos sobre as iniciativas da Vice-Presidência de Educação e Comunicação para dar continuidade às ações neste momento em que a recomendação é o distanciamento social?

Cristiani Vieira Machado: Como comentei, além de seguir as orientações gerais e elaborar orientações complementares, temos pensado um conjunto de medidas para incentivar que as unidades da Fiocruz, nossos programas e cursos continuem a desenvolvê-las, sempre respeitando a diversidade entre territórios, cursos, modalidades de ensino, grades curriculares, trajetórias formativas, itinerários de formação e também o perfil dos alunos.

Temos uma série de desafios pedagógicos, tecnológicos, culturais e de acesso que não são resolvidos da noite para o dia. Somente no Stricto sensu, temos 43 programas de pós-graduação em áreas de conhecimento que vão desde a pesquisa laboratorial básica até as ciências sociais e humanas em saúde, passando pela saúde pública e programas interdisciplinares. Os discentes dos cursos de saúde pública e de medicina muitas vezes estão inseridos no sistema de saúde, na ponta do serviço, e agora, por exemplo, estão trabalhando fortemente na pandemia, sem dedicação exclusiva aos cursos. Caso diferente dos alunos da área da pesquisa básica e das ciências sociais e humanas em saúde, que, em sua maioria, são alunos dedicados exclusivamente à pós-graduação.

Devemos respeitar essa diversidade. Na medida do possível, as unidades devem adotar atividades educacionais remotas, sempre considerando as especificidades já citadas, bem como as condições socioeconômicas dos alunos, pois é necessário também assegurar o acesso deles às tecnologias etc. É ponto pacífico de nossas discussões que não há como substituir atividade presencial por remota, automaticamente. Da mesma forma que atividade virtual não é sinônimo de educação à distância. Temos tradição em formações concebidas em EAD, principalmente voltadas à qualificação profissional — caso do novo curso sobre manejo da Covid-19. Mas os cursos online têm desenhos diferentes das formações presenciais. Adotar formas de atividade e interação virtual num curso originalmente presencial é uma mudança complexa, com processo de adaptação lento. Não basta o professor, de uma hora para outra, estar na frente do computador falando para vários alunos ao mesmo tempo.

Começamos a nos preparar e oferecer ferramentas de interação virtual para os cursos e programas de forma célere. O Campus Virtual Fiocruz preparou o Guia de Tecnologias Educacionais, com diversas soluções tecnológicas que pudessem ser incorporadas aos poucos pela comunidade acadêmica. Também oferecemos informações e tutoriais para o uso de ferramentas já disponíveis na Fiocruz: as salas virtuais da Rede Nacional de Ensino e Pesquisa (RNP) e o Microsoft Teams; além de adquirirmos licença para o uso da plataforma de videoconferências Zoom. Nossa ideia é ter, pelo menos neste primeiro momento, três diferentes possibilidades para as atividades educacionais.

Oferecemos treinamentos e elaboramos materiais, particularmente voltados às diretrizes para educação, dirigidos à comunidade de professores e às Secretarias Acadêmicas. E abrimos um processo de debate com as diferentes unidades da Fiocruz. Cerca de um mês depois da suspensão das atividades presenciais não essenciais, elaboramos um questionário para avaliar como cada unidade estava se adaptando e que atividades estão realizando. As respostas ao questionário têm ajudado a traçar um diagnóstico e analisar a situação como um todo.

Debatemos essa temática no Fórum de Stricto sensu e na Câmara Técnica de Educação (CTE). Em nosso mais recente encontro da Câmara (nos dias 20 e 21/5), realizado remotamente, tivemos mais de 130 participantes e foi muito rico. Houve relatos de experiências dos diferentes cursos, como cada um está lidando com as novas necessidades e que tipos de atividades estão desenvolvendo. Alguns programas passaram a oferecer disciplinas ou parte delas de forma virtual. Outros, estão organizando seminários em torno de temas relacionados à Covid-19. E, ainda, tem aqueles que estão desenvolvendo materiais educacionais para seus alunos e fazendo orientações virtuais. O interessante é observar que todos, de alguma forma, passaram por algum tipo de adaptação das atividades. Para o segundo semestre, já de forma mais planejada e organizada, tentaremos maior dinamização das nossas atividades. Mas isso ainda requer o diagnóstico mais detalhado sobre a situação dos alunos, preparação pedagógica, replanejamento dos cursos, enfim, requer muito diálogo e preparação interna. Além disso, há questões tecnológicas e de conectividade que precisam ser equacionadas para não ampliar as desigualdades.

CVF: Já estão sendo pensadas novas alternativas em relação à educação para o cenário pós-pandemia?

Cristiani Vieira Machado: Iniciamos durante a reunião da Câmara Técnica de Educação uma discussão de planejamento mais estruturado para o segundo semestre de 2020, cientes de que vai ser muito difícil retomar as aulas presenciais neste momento. Nosso foco é buscar condições para garantir a preparação dos docentes e alunos, garantindo acesso à conexão e outras condições para que possam realizar suas atividades, na medida do possível. Não podemos esquecer que não se trata de uma conversão automática do que já se tinha e vivia. É, na verdade, um processo de adaptação dos nossos cursos para uma nova realidade.  Pode ser inclusive necessário assegurar eventualmente a possibilidade de ida aos campi da Fiocruz, para quem precisar — como para atividades laboratoriais, uso de equipamentos de informática em caso dificuldades de acesso, entre outras situações específicas. 

O cenário pós-pandemia ainda é incerto, a depender da evolução da doença no país, o que nos leva a um processo de revisão permanente do nosso planejamento. Trabalhando nessa perspectiva, estamos intensificando o diálogo com as unidades num movimento de preparação coletiva. Já agendamos as reuniões da CTE em junho e julho para avaliarmos a situação e avançarmos nessas questões. Para além disso, cada unidade fará uma oficina interna de planejamento, discutindo suas atividades educacionais. Na sequência, apoiaremos esse debate em diálogo com as unidades da Fiocruz. O objetivo é ajudá-las em seus planejamentos à luz das especificidades dos cursos de cada uma.  

Sabemos que não teremos condições iguais às de antes. Falam em “novo normal” e isso implica diretamente reorganizar algumas nossas atividades e nossos ambientes educacionais para oferecer mais segurança a todos. Sem falar na aposta em novas formas de interação virtual, outros ambientes, outras adequações... Portanto, nós já começamos a traçar esse planejamento, que será construído em diálogo com as unidades nos próximos meses.

CVF: Qual a importância dos editais emergenciais que foram lançados recentemente?

Cristiani Vieira Machado: A Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) lançou recentemente o Programa Estratégico Emergencial de Combate a Surtos, Endemias, Epidemias e Pandemias, que tem o objetivo de apoiar projetos de pesquisa e formação de recursos humanos altamente qualificados, no âmbito dos programas de pós-graduação Stricto sensu, voltados ao enfrentamento da Covid-19 e em temas relacionados a endemias e epidemias típicas do país. São voltados a docentes e discentes com pesquisas relacionadas ao tema. Com isso, vários programas nossos das áreas de infectologia, saúde pública, pesquisa básica relacionada a doenças infecciosas e outros foram contemplados.

As Ações Estratégicas Emergenciais Imediatas consistem na concessão emergencial de bolsas de mestrado e doutorado para programas de pós-graduação Stricto sensu com notas 5, 6 e 7. Algumas unidades já tinham alunos estudando essas temáticas correlatas, outros abriram processos seletivos, como o curso de Medicina Tropical do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz) e os cursos da Ensp.

Outra iniciativa importante foi o edital para projetos em áreas específicas: Epidemias; Fármacos e Imunologia; e Telemedicina e Análise de Dados Médicos, para ao qual a Fiocruz submeteu oito projetos... As ações na área de educação mostram que a comunidade acadêmico-científica está muito mobilizada, refletem nossa diversidade e o quanto a Fiocruz, seus pesquisadores, professores e alunos estão interessados em desenvolver projetos para enfrentar essa crise sanitária e outros problemas de saúde relevantes no Brasil, fortalecendo o SUS**.


*Colaborou Flávia Lobato.
**Atualizada em 27/5/2020.

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